19/04/2024

As histórias são nossas memórias...


Trecho de "A Cidade das Palavras" de Alberto Manguel, tratando sobre a memória, bibliotecas e a leitura:

"...as histórias concentram nosso saber e lhe dão forma narrativa, de modo que, por obra das nuanças do tom, do estilo,e da peripécia, tentemos não esquecer o que aprendemos. As histórias são nossas memórias, as bibliotecas são os depósitos dessa memória, e a leitura é o oficio por meio do qual podemos recriar essa memória, recitando-a, glosando-a, traduzindo-a para nossa própria experiência, permitindo-nos construir sobre os alicerces do que as gerações passadas quiseram preservar".

10/03/2024

Jean Baudrillard e o terrorismo

"Power Inferno" é uma pequena coletânea de artigos escritos por Jean Baudrillard a partir do ataque às torres gemeas em 2001. Em um dos trechos de "Hipóteses sobre o Terrorismo" ele inclui uma impensável referência a uma fábula de Nasreddin (o mitológico filósofo e sábio turco populista, lembrado por suas histórias engraçadas e anedotas) que repercute no seu texto:

"Nasreddin atravessa a fronteira todos os dias com mulas carregadas de sacos. Cada vez, os sacos são revistados, mas não se encontra nada. Nasreddin continua a passar a fronteira com suas mulas. Muito tempo depois, algúem lhe pergunta o que contrabandeava. E ele responde: "Mulas".

Lendo e relendo a passagem, vemos que faz todo o sentido no contexto e no tema tratado...

19/11/2023

Onde está a verdade? E o papel da memória?


Luis Buñuel, notável e diferenciado cineasta, também tem suas citações memoráveis:

"Daria a vida por um homem que busca a verdade, mas mataria um homem que julga ter encontrado a verdade."

“É preciso começar a perder a memória para se dar conta que é essa memória que compõe toda a nossa vida. Uma vida sem memória não é uma vida (…). Ela é nossa coerência, nossa razão, nosso sentimento e até mesmo nossa ação. Sem ela nós não somos nada”.

“Indispensável e onipotente, a memória é também frágil e ameaçada. Ameaçada não pelo esquecimento, o seu velho inimigo, mas também pelas falsas recordações que a invadem dia após dia”

Simples assim.

31/07/2023

Quer organizar a sua biblioteca?

Se você tem uma certa quantidade de livros provavelmente já enfrentou o desafio de tentar organizar a sua biblioteca... e com certeza viveu muitas indecisões e sempre acreditou que não tinha conhecimento suficiente para levar esta tarefa a cabo...

Lendo "Como organizar uma biblioteca" de Roberto Calasso, encontrei um alívio, representado por pensamentos bem elaborados:

 "Sóbrias palavras que convidam a se resignar, de uma vez por todas: a organização de uma biblioteca nunca encontrará — aliás nunca deveria encontrar — uma solução.
Simplesmente porque uma biblioteca é um organismo em perene movimento. É um terreno vulcânico onde sempre está acontecendo algo, mesmo que não seja perceptível de fora."

O titulo do livro é realmente de uma bela ironia pois simplesmente é demonstrado que não existe a possibilidade de uma técnica única e convergente para esta organização... que cada um seja feliz na sua ordem e no seu sentimento com relação aos seus livros e autores!

12/06/2023

Livros: modo de usar - recomendações

Um artigo do Brazil Journal muito interessante para todos aqueles que convivem com livros, mesmo sem conseguir ler com frequencia, mas que apreciam ter uma biblioteca e poder utilizá-la como refúgio no dia-a-dia...

Quais são as 10 dicas de Roberto Calasso, escritor italiano falecido em 2021 aos 80 anos, que passou a vida em torno dos livros:

1) Deixe marcas nos livros
2) Não despreze a baixa literatura
3) Encontre sua livraria ideal
4) Compre livros para ler mais tarde
5) Não exiba a biblioteca à toa
6) Biblioteca fajuta nunca!
7) A regra do bom vizinho
8) Ordem alfabética nem sempre funciona
9) Exclua livros
10) Admire o livro não lido


.Destaco aqui algumas passagens que me fizeram entender algumas reações que já tive e nem sempre compreendia bem...

“Na biblioteca perfeita, quando se vai em busca de um livro, acaba-se pegando um que está ao seu lado e que se revela ainda mais útil do que aquele que procurávamos.” Essa é a “regra do bom vizinho,” que Calasso atribui ao historiador da arte alemão Aby Warburg.

Basta uma olhada rápida na cor e na estética das lombadas em uma estante para, segundo Calasso, vislumbrar a “paisagem mental” do dono da biblioteca. Recomenda-se, portanto, que se resguarde a intimidade, evitando o exibicionismo livresco.

O escritor argentino Jorge Luis Borges evitava deixar marcas nas páginas com texto, mas fazia extensas notas nas folhas de guarda, em letra pequena (“caligrafia de inseto,” dizia)


30/05/2022

Uma visão apátrida da memória...

Julio Ramón Ribeiro, escritor peruano que ficou apartado do "boom" da literatura latina, tem um livro especialíssimo, onde recolheu textos esparsos e denominou de "Prosas Apátridas". Ao final de sua vida, recebeu o prêmio Juan Rulfo pela sua obra.  Folheando estas valiosas páginas, encontro mais uma visão (inédita e especialíssima) sobre a memória...

"Podemos memorizar muitas coisas, imagens, melodias, noções, argumentações ou poemas, mas há duas coisas que não podemos memorizar: a dor e o prazer. Podemos no máximo ter a lembrança dessas sensações, mas não as sensações da lembrança. Se fosse possível reviver o prazer proporcionado por uma mulher ou a dor causada por uma doença, nossa vida se tornaria impossível. No primeiro caso, se transformaria em uma repetição, no segundo, em uma tortura. Como somos imperfeitos, nossa memória é imperfeita e só nos restitui aquilo que não pode nos destruir." 

"Prosas apátridas" de Julio Ramón Ribeyro 

20/01/2022

Anotações sobre o pensamento de John Ruskin (1819-1900)

"Há aqui uma mensagem urgente. A natureza estabelece o padrão. Ela nos oferece exemplos particularmente intensos de graça e beleza. A plumagem de um pássaro, as nuvens sobre as montanhas no pôr do sol, as grandes árvores que se curvam ao vento: a natureza é ordenada, bela, simples, eficaz.

Mas com a gente parece que deu tudo errado. Por que não podemos ser como ela é? Há um contraste humilhante entre a beleza natural das árvores junto a um riacho e a imundície inóspita de uma rua comum; entre o interesse sempre mutável do céu e a monotonia e o desconsolo de grande parte da nossa vida. Ruskin sentia que essa comparação dolorosa era instrutiva. Como fazemos parte da natureza, temos a capacidade de viver segundo seu padrão. Deveríamos usar a emoção que sentimos com sua beleza para nos energizar e igualar suas obras. 

A meta da sociedade humana deveria ser honrar a dignidade e a grandeza do mundo natural. Ao defender a beleza com tamanha intensidade, Ruskin resgata pequenas partes de nossa experiência que raramente levamos muito a sério. Em determinados momentos, a maioria de nós já sentiu que as árvores são adoráveis, que outro lugar (que poderia ser Veneza) é muito mais bonito do que o lugar onde passamos o dia a dia, que há demasiadas coisas fajutas no mundo, que o trabalho realmente não é prazeroso o suficiente, que é comum nos sentirmos mal-empregados – mas tendemos a desdenhar desses pensamentos como pessoais demais, menores, sem muita importância para ninguém além de nós mesmos. 

Ruskin nos recomenda uma atitude mais séria e ambiciosa. Ele diz que são exatamente esses pensamentos e experiências que precisam receber o peso apropriado, que precisam ser analisados e compreendidos. Eles oferecem pistas muito importantes do que está errado no mundo e, portanto, podem nos levar a tomar providências que o tornem um lugar genuinamente melhor."

 

(extraido de Grandes Pensadores - The School of Life)